Roberto — o menino fofo da foto — se aproximou, com o sorriso que lhe é característico, e mostrou o que ele tinha acabado de fazer com seus blocos de montar: um farol. Logo em seguida, e usando exatamente os mesmos blocos, criou um barco!
Com os seus barcos e faróis, Roberto demonstrou claramente um elemento essencial para a criatividade: a capacidade de combinar o que temos à mão (e na cabeça) e, assim, criar coisas novas.
É seguro inferir que muitas pessoas, diante dos problemas que aparecem, tendem a pensar numa ideia nova que atenderá as nossas necessidades. Se assim foi com Arquimedes, com Henry Ford, Steve Jobs e outras centenas de gênios, será também comigo, “eureka”?
Mas, aprofundando nas histórias de várias experiências, percebe-se que boa parte das inovações surgiram na combinação de coisas diferentes.
Uma das reflexões que temos experimentado com amigos que dividem as ações de inovação desenvolvidas pela rede Conexão Inovação Pública é o padrão de soluções apresentado pelos servidores nas oficinas de Design Thinking. Quando se espera ideias inovadoras, deparamo-nos com aplicativos e rodas de conversa com frequência. Há sempre a identificação do problema “falta de comunicação”, o que leva à solução mais conhecida de aproximação entre pessoas de diferentes setores ou entre pessoas e a informação necessária. Mas por que é difícil sair desse tipo de proposta de solução?
Talvez um dos motivos resida na percepção de que é mais fácil pensar em soluções que já funcionam de alguma forma, seja no mesmo contexto ou em outro. Ter um lugar seguro para “pisar” pode ser um bom ponto inicial para a jornada. O método do Design Sprint utiliza essa lógica no início de sua fase de ideação com as “demonstrações relâmpago”. O ambiente, o contexto e inovações anteriores são combustíveis para novas ideias e inovações, como também mostra Steven Johnson ao falar do “possível adjacente” em seu livro “De Onde vêm as Boas Ideias”: as grandes ideias não surgem do acaso, mas sim da combinação de outras inovações e até de fragmentos de ideias.
E aí que entra a questão do repertório, que é a soma de todo o nosso aprendizado formal, experiências, vivências, etc.
Quanto maior o nosso repertório (e menores as nossas barreiras) maior é a nossa capacidade de combinar e criar novas ideias e inovações. Vejam o exemplo do Roberto: ele criou um farol com blocos de montar porque aquela estrutura fazia parte do seu repertório e ele conseguiu imaginar e criar um objeto que tinha o significado claro de um farol para ele e para quem observava sua explicação. Com o repertório que ele tem hoje, não conseguiria desenhar ou montar um reator de fusão nuclear. Amanhã, quem sabe?
Você só consegue criar algo que esteja dentro do escopo da sua percepção. Não tem como pensar em soluções gameficadas se eu não jogo ou não dou importância a jogos.
Ao falar em repertório, podemos usar a metáfora dos blocos de montar. A cada contato com o novo, acrescentamos um bloco de cor diferente ao nosso repertório de blocos. Quando se ouve uma música, quando se vai ao parque com sua família, quando se expressa seus pensamentos em um poema ou um papel, quando se lê livros, faz cursos, vai a palestras, quando se viaja pelo mundo, quando se medita, quando se pratica atividades manuais como o artesanato. A todo momento podemos nos abrir para o contato com novas culturas, novos ensinamentos. E isso é importante para que possamos criar conexões de informações para buscar soluções.
Uma dinâmica de aquecimento que utilizamos em nossos cursos de Design Thinking mostra claramente o impacto do repertório para criatividade. Ela vem do evento Startup Weekend e se chamada “half-baked” (“mal-passado”) e funciona da seguinte forma:
Peça para os participantes falarem palavras (qualquer coisa: cores, objetos, adjetivos, locais, verbos, etc). Quanto mais diferentes, melhor! Escreva uma palavra por nota auto-adesiva e depois forme grupos com os participantes (de 3 a 10 pessoas cada um). Cada grupo receberá duas palavras aleatórias e terá que utilizá-las de alguma forma para criar uma startup em apenas cinco minutos que deve ser apresentada em um pitch (apresentação rápida) de um minuto onde deve ser falado o nome da startup, as palavras que foram usadas, qual é o problema que resolve, quem é o público-alvo, como funciona a solução e porque ela é única.
Quanto as pessoas recebem palavras como meleca+carro ou cerveja+idade ou doente+avental e você concede a liberdade de criar qualquer coisa (que faça sentido), mas com restrição severa de tempo, elas são capazes de criar coisas fabulosas. E isso é só é possível devido ao repertório das pessoas e da capacidade humana de combinar esse repertório e cocriar coisas novas.
Em processos colaborativos como o Design Thinking, tentamos juntar profissionais com formações e diferentes para tentar quebrar as barreiras do conhecimento de cada pessoa e estimular o encontro de experiências e visões diferentes. É importante, numa perspectiva de estímulo à cultura da inovação, criar condições para o contato com iniciativas de outros lugares, novas metodologias e, por que não, com experiências que criem novas formas de pensar problemas e soluções.
É necessário aumentar o repertório do servidor público para que ele seja capaz de criar e cocriar boas ideias para então criar inovações a partir delas. E boas ideias são aquelas que resolvem desafios reais.
Dica de leitura: Se alguém questionar que não há inovação no serviço público, indique o livro “Inovação e Políticas Públicas: superando o mito da ideia”, que visa dar continuidade aos esforços colaborativos de construção de conhecimento sobre a cultura e a capacidade de inovação no setor público, organizado pelo servidor Pedro Cavalcante, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
Texto escrito por Thiago Petra, com a colaboração de Rodrigo Narcizo
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